27 de maio de 2025
Julia Wilker
“O governo brasileiro tomou conhecimento, com profunda consternação, da morte do cidadão brasileiro Walid Khalid Abdalla Ahmad, de 17 anos, na prisão israelense de Megido. O menor, residente da Cisjordânia, no Estado da Palestina, fora detido em 30 de setembro de 2024 na Palestina ocupada e levado por forças israelenses à prisão de Megido, em território israelense”, afirmou o Itamaraty.
Uma nota é suficiente para te fazer compreender que até mesmo brasileiros têm sido colonizados e assassinados, se é que não são palavras sinônimas, na Palestina? Desde a criação de Israel, em 1948, diversos conflitos marcaram sua história. O primeiro deles foi chamado popularmente de Guerra da Independência (1947-1949), essa, que foi travada contra países árabes após a fundação do Estado de Israel. Este, também, marcou o início do investimento financeiro imensurável que é vigente e contínuo pelos Estados Unidos.
Anos depois, ocorreu a Crise de Suez (1956), quando Israel, Reino Unido e França atacaram o Egito após a nacionalização do canal. Em 1967, a Guerra dos Seis Dias resultou na rápida vitória israelense sobre Egito, Síria e Jordânia, levando à ocupação de territórios estratégicos. Já em 1973, Egito e Síria lançaram um ataque surpresa contra Israel na Guerra do Yom Kippur, que, apesar dos avanços iniciais árabes, terminou com uma contraofensiva israelense.
Nos anos 80, a presença de grupos palestinos no Líbano levou à Invasão do Líbano (1982), onde Israel ocupou parte do país por anos. Posteriormente, a resistência palestina se manifestou na Primeira Intifada (1987-1993), marcada por protestos e confrontos contra a ocupação. No início dos anos 2000, a Segunda Intifada (2000-2005) reacendeu a violência, resultando em repressão intensa por parte de Israel.
O conflito se expandiu novamente para o Líbano em 2006, com a Guerra do Líbano, onde Israel enfrentou o Hezbollah. Já na Faixa de Gaza, a partir de 2008, sucessivas operações militares marcaram a região, começando com a Operação Chumbo Fundido (2008-2009). Outros confrontos seguiram, como a Operação Pilar de Defesa (2012), a Operação Margem Protetora (2014) e o Conflito de Maio (2021). Em 2023, a escalada de tensões resultou na Operação Escudo e Flecha, seguida pela Guerra Israel-Hamas (2023-2024), um dos conflitos mais intensos dos últimos anos.
Hoje, o Brasil é a nação que mais recebe fluxo migratório árabe e persa no mundo. Para que se tenha noção, existem mais libaneses no brasil do que no próprio Líbano, estima-se que o país abriga a maior diáspora árabe global, com pelo menos 12 milhões de brasileiros de ascendência árabe. Com base nessas informações todas, cabe a discussão: quantas delas você soube pela mídia convencional?
A diáspora árabe para qualquer canto do mundo nunca foi opcional ou desejada, mas, sim, necessária. E quando falamos em diáspora, não falamos apenas de números ou estatísticas, mas de histórias interrompidas, famílias fragmentadas e identidades que precisam ser reconstruídas à força, longe de suas terras ancestrais. A Palestina, mais do que um território em disputa, é um símbolo de resistência e memória. E a pergunta que fica é: por que tantas narrativas sobre ela são apagadas ou distorcidas?
Quantas vezes você ouviu falar dos mais de 750 mil palestinos expulsos de suas casas em 1948, no que ficou conhecido como Nakba (“catástrofe”, em árabe)? Quantas reportagens você viu sobre as leis israelenses que impedem palestinos de retornar às suas terras, enquanto judeus de qualquer parte do mundo têm direito automático à cidadania israelense? Quantas manchetes destacaram os milhares de palestinos presos sem julgamento, incluindo centenas de crianças, como Walid Ahmad, o brasileiro de 17 anos cuja morte o Itamaraty lamentou? Apenas lamentou.
A mídia hegemônica costuma tratar o conflito como uma guerra entre dois lados, como se houvesse equilíbrio de poder entre um Estado nuclearmente armado, financiado por potências globais e colonizadoras, com um povo submetido a ocupação, bloqueios e deslocamentos forçados há décadas. Raramente se questiona: o que legitima a violência de um lado e criminaliza a do outro? Por que a resistência palestina é sempre enquadrada como terrorismo, enquanto os bombardeios israelenses são tratados como direito à defesa?
E o Brasil, com sua imensa diáspora árabe, deveria ser um espaço de amplo debate sobre o tema. Mas quantas vozes palestinas têm espaço em nossos jornais? Quantos especialistas árabes são entrevistados para explicar a história de sua própria gente? Em vez disso, repete-se um discurso que normaliza a ocupação e invisibiliza o apartheid.
A pergunta inicial segue ecoando: O que você sabe sobre a Palestina te foi contado por quem? E, mais importante: o que você está disposto a desaprender para escutar as vozes que foram silenciadas? Enquanto o mundo assiste passivo à contínua limpeza étnica na Palestina, lembre-se: Walid poderia ser seu irmão, seu filho, seu aluno. Sua história não é um caso isolado — é parte de um projeto sistemático.
E a escolha entre ficar em silêncio ou se posicionar é, também, política.
“Os que vivem, são os que lutam”, escreveu Eduardo Galeano. E a Palestina resiste não por escolha, mas porque a alternativa é o apagamento. Enquanto o mundo celebra discursos de paz sem justiça, famílias palestinas seguem sendo esmagadas por tratores de ocupação, celas de tortura e checkpoints que transformam a vida em um labirinto de humilhações. Quantos entendem que cada pedra atirada por mãos palestinas carrega 75 anos de um grito que o Ocidente insiste em abafar?
Aqui no Brasil, nossa responsabilidade é histórica: somos o maior território da diáspora árabe no mundo, mas nossas universidades, sindicatos e movimentos ainda repetem a retórica colonial que reduz a Palestina a um conflito, supostamente, religioso. É hora de virar a mesa. A FEPAL (Federação de Entidades Palestinas da América Latina) não só denuncia o genocídio em curso como organiza a resistência transnacional — e você pode procurá-la.
Galeano também nos lembra: “A caridade é humilhante porque se exerce verticalmente e de cima para baixo; a solidariedade é horizontal e implica respeito mútuo.” Não basta chorar por Walid, muito menos escrever apenas uma nota lamentando seu assassinato. É preciso confrontar quem lucra com sua morte — desde os lobbies armamentistas até os governos que vendem neutralidade enquanto firmam contratos com empresas de vigilância israelenses.
Palestina vive nas ruas de São Paulo, nas mesquitas de Foz do Iguaçu, nos grafites de Recife. Do Rio ao Mar.