Vinuicius Dario
Infelizmente, em 20 de outubro de 2025, o Brasil recebeu a triste notícia da liberação da extração de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas - decisão que, anteriormente, havia sido negada de forma provisória pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), sob o argumento de que não existiam estudos suficientes sobre os potenciais impactos socioambientais decorrentes da exploração petrolífera. A grande questão é: o que mudou?
Em 2013, um parecer técnico já apontava lacunas no conhecimento sobre a bioecologia das comunidades marinhas da região, alertando que acidentes com vazamento poderiam comprometer toda a biodiversidade local. A Foz do Amazonas constitui um litoral de altíssima sensibilidade ambiental, abrangendo áreas de manguezais, restingas e zonas úmidas de grande relevância ecológica. A contaminação por compostos químicos liberados durante a extração de petróleo ameaça não apenas a fauna marinha e continental, mas também a exuberante flora que caracteriza o bioma. Além disso, incidentes com derramamento de óleo podem atingir regiões próximas ao litoral, onde vivem comunidades ribeirinhas, cuja exposição a substâncias tóxicas do petróleo provoca efeitos duradouros na saúde humana, incluindo o aumento de casos de câncer e doenças degenerativas. Soma-se a isso a disseminação da poluição para áreas mais distantes, impulsionada pelas correntes marítimas e variações de maré.
Contudo, os impactos não se restringem aos aspectos ambientais e físicos. Os defensores da exploração argumentam que ela ampliaria a arrecadação estadual e municipal, mas, na prática, esse discurso apenas perpetua velhas mazelas de crescimento desordenado já observadas em outros contextos: explosões demográficas, surgimento de bolsões de pobreza, escassez de empregos qualificados, elevação da criminalidade, expansão de áreas periféricas e agravamento da degradação ambiental.
Às vésperas da COP 30, que será sediada em Belém, a autorização para explorar petróleo na Bacia do Amazonas contradiz frontalmente os compromissos de transição energética e as discussões sobre a crise climática. Um estudo de 2023 da Universidade de Copenhagen revelou que a humanidade já ultrapassou seis dos nove limites planetários, e, recentemente, o Instituto Potsdam de Pesquisas sobre o Impacto Climático anunciou a transgressão do sétimo, destacando a acidificação dos oceanos - que no ano anterior estava à beira do limite. Trata-se de uma ruptura acelerada em um curto intervalo de tempo.
Diante disso, questiona-se: o que, de fato, mudou para que a extração de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas fosse autorizada? A resposta é simples - praticamente nada. Os dados científicos sobre a biodiversidade da região permanecem escassos e fragmentados; entretanto, os potenciais impactos socioambientais da exploração são amplamente conhecidos e preocupantes. A liberação da atividade na Margem Equatorial, sob o argumento de manutenção da produção petrolífera nacional, pode ainda representar um precedente perigoso, abrindo caminho para novas iniciativas exploratórias em outras regiões do país, especialmente na Amazônia Continental, território de inestimável riqueza mineral e biológica.
Vivemos hoje um embate entre o conhecimento científico, que evidencia as consequências das mudanças climáticas intensificadas pelas ações humanas, e o negacionismo impulsionado pelo modelo capitalista = como exemplificado na fala do Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao classificar as mudanças climáticas como uma “farsa”, reforçando o ceticismo diante das iniciativas ambientais globais. Portanto, torna-se urgente o posicionamento firme em defesa da biodiversidade brasileira frente à exploração predatória dos recursos naturais motivada pela supremacia do capital.
A Terra clama, por meio do aumento das temperaturas, das chuvas ácidas, das queimadas, da acidificação dos oceanos, da desertificação e da eutrofização, pela necessidade de uma verdadeira transição energética e de um uso sustentável de seus recursos.
Ed Carvalho
Diretor de Combate Ao Racismo Da UNE
Faltam menos de duas semanas pra COP30, e o Brasil, que vai receber o mundo pra discutir o futuro do planeta, acaba de liberar a perfuração de um poço de petróleo na Foz do Amazonas. É uma contradição dolorosa: o mesmo governo que fala em transição energética autoriza a expansão da fronteira fóssil no coração da Amazônia. Mas pra quem vive nas margens, e o Movimento Enfrente fala desse lugar, isso não é novidade. O que chamam de progresso quase sempre chega pra destruir o território, a cultura e a vida do povo preto, indígena, quilombola e ribeirinho. Isso tem nome: racismo ambiental.
O racismo ambiental acontece quando as populações historicamente exploradas são as que mais sofrem com os impactos da destruição. Quando o petróleo vaza, não é o acionista que perde o sustento, é o pescador. Não é o executivo que adoece, é a mulher quilombola que tira o alimento da maré. Não é o grande investidor que é expulso, é o povo que vive da terra, do rio e da floresta.
É preciso dizer com todas as letras: não existe transição ecológica possível sem enfrentar o racismo estrutural e o modelo de desenvolvimento que transforma o Norte e o Nordeste em zonas de sacrifício. A mesma energia e o mesmo investimento usados pra perfurar o chão deveriam ser usados pra plantar o futuro: fortalecer a energia solar e eólica, a bioeconomia, as universidades públicas, a pesquisa e o conhecimento tradicional dos povos da floresta.
A COP30 é uma chance histórica pro Brasil mostrar que aprendeu com o passado, mas a decisão do Ibama mostra o contrário: que ainda tem gente acreditando que destruir é o mesmo que crescer. Defender a Amazônia é defender o povo. E o povo não precisa de mais exploração, precisa de vida digna, justiça racial e soberania popular sobre seus territórios. Às vésperas da COP30, não dá pra o Brasil se vestir de verde e continuar manchando as mãos de óleo. Não é hora de perfurar o futuro. É hora de semeá-lo.